quinta-feira, 18 de outubro de 2007



O meu coração quebrou-se
Como um bocado de vidro
Quis viver e enganou-se...
.
Fernando Pessoa







Entre mim e a vida há um vidro ténue. Por mais nitidamente que eu veja e compreenda a vida, eu não Ihe posso tocar.

(...) Tudo se me evapora. A minha vida inteira, as minhas recordações, a minha imaginação e o que contém, a minha personalidade, tudo se me evapora. Continuamente sinto que fui outro, que senti outro, que pensei outro. Aquilo a que assisto é um espectáculo com outro cenário. E aquilo a que assisto sou eu.

Talvez porque eu pense de mais ou sonhe de mais, o certo é que não distingo entre a realidade que existe e o sonho, que é a realidade que não existe. E assim intercalo nas minhas meditações do céu e da terra coisas que não brilham de sol ou se pisam com pés - maravilhas fluidas da imaginação.

(...) Não há problema senão o da realidade, e esse é insolúvel e vivo. Que sei eu da diferença entre uma árvore e um sonho? Posso tocar na árvore; sei que tenho o sonho. Que é isto, na sua verdade?

Meu Deus, meu Deus, a quem assisto? Quantos sou? Quem é eu? O que é este intervalo que há entre mim e mim?


FERNANDO PESSOA, O Livro Do Desassossego De Bernardo Soares

(Fragmentos)



«Tinha 30 anos, alto, curvado ao sentar-se, algum desleixo no vestir. Cara pálida, com sofrimento diluído. Era ajudante de guarda-livros em Lisboa e frequentava os restaurantes da Baixa, nas sobrelojas, onde encontrou Pessoa falando-lhe da sua admiração pela revista Orpheu. Fumava. Tinha um especial interesse em observar aqueles que o rodeavam. Levava uma vida suave, de afastamento, de entrega ao sonho. O Livro do Desassossego não é dele, mas é ele próprio.»

Do 'Prefácio', O Livro do Desassossego
CC

2 comentários:

Anónimo disse...

Quem sou eu? Quem somos nós? Isto..eu não o sei eu...
Somos muitos, somos poucos, somos nada? Talvez...
Vivo de mim, de ti, de si, de nós...
É isto que sinto...aqui dentro guardado...a chama de ser tu sendo eu...ser esse espírito incansavel...essa força que floresce sem caminhos que a parem...
Infelizmente não sou a força...porque cada alma é única..é pura...vindo do nada...que em pouco se transforma em muito...
E então pouco que tempo que as nossas almas trocaram olhares...eu cresci...vivi-a...a si...a nós...a eles...
A si certamente vivi...e...vivo...embora que em breves Momentos...eu conto mais...e mais ainda que sejam especiais...a si...a mim...a nós...a eles...

Sem voçê..o eu de mim próprio não faz sentido...

Luís Lanção (alguém...niguém..não sei...)
nº4 12ºF

Vou estar aqui...

Anónimo disse...

Com isto, percebi que tenho de ler “O Livro do Desassossego”.
As ideias que me passam pela cabeça ao ler estes fragmentos são várias e confusas; não me sinto capaz de escrever sobre isto, para já. Ando há dias a tentar, mas parece que não há vontade ou inspiração.

(Também gostei da imagem, é expressiva.)